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CARTA A UM MENINO QUE NÃO NASCEU

Aos que não temem a dúvida,
aos que sem trégias procuramos os porquês
à custa do sofrimento e da morte
Aos que põem o dilema
de dar a vida ou de a negar
dedico este livro
uma mulher
a todas as mulheres


Oriana Fallaci

Soube esta noite que existias: uma gota de vida fugida do nada. estava de olhos escancarados na escuridão e, subitamente, um relâmpago de certeza fendeu a escuridão: sim, tu existias.....Eis-me aqui agora, fechada à chave num medo que me imunda o rosto, os cabelos, o pensamento. Nesse medo me perco....Não é medo dos outros.Pouco me importa os outros.Não é medo de Deus.Eu não acredito em Deus. Não é medo da dor.Eu não receio a dor. É medo de ti, do acaso que te arrancou do nada, para te enclavinhar no meu ventre. Nunca estive pronta para te acolher, por muito que te tenha esperado.
A toda a hora fiz esta pergunta atroz: e se não gostasses de nascer?....
Mas decidi por ti : hás-de nascer. Decidi depois de ter visto uma fotografia de um embrião qualquer com três semanas, e quando a olhava, passou-me o medo: com a mesma rapidez com que me invadira.
......Com três semanas és quase invisível, explica a legenda. Dois milímetros e meio. No entanto, cresce em ti um vestigio dos olhos, ...o tu coração já está feito e é grande. Acciona o sangue como uma bomba e bate regularmente a partir dos dezoito dias : poderei acaso deitar-te fora?
...Coragem menino, Julgas que a semente de uma árvore não precisa de coragem quando penetra a terra e germina? Basta um golpe de vento para a arrastar, a patita de um rato para a esmagar. E no entanto ela germina e resiste e cresce e dá novas sementes. E torna-se floresta. Se algum dia gritares: » Porque me lanças-te ao mundo, porquê?», responderte-ei: » Fiz o que fazem e fizeram as árvores, durante milhões e milhões de anos antes de mim, e cuidei fazer bem»...
...O teu pai não está comigo. E não me queixo. Sou uma mulher que escolheu viver sózinha....
...Esta noite falei com o teu pai. disse-lhe que existias. Disse-lho por telefone, porque ele está longe, e, a calcular pelo que ouvi, a notícia não lhe agradou. Comecei por ouvir um profundo silêncio: como se a chamada tivesse ficado suspensa. depois ouvi uma voz rouca balbuciar. » Quanto é que precisas?» respondi-lhe sem perceber: » Nove meses , suponho. Agora, nem oito, aliás.» a voz deixou então de ser rouca para se tornar estridente: » Estou a falar em diinheiro.» Que dinheiro?», retorqui. » O dinheiro para te desfazeres dele, claro!» Foi precisamente o que ele disse: » para te livrares dele». Com se fosses um embrulho.....

( Continua)

1 koices:

Andreia disse...

Eu adorei
Só o vi agora mas esta fixe

Andreia disse...

Eu adorei
Só o vi agora mas esta fixe