Padre Mário de Oliveira:
"Sistema que exclui alguém é assassino"
"Fátima nunca mais", publicado em 1999, será o seu livro mais conhecido, mas o padre Mário de Macieira da Lixa, não escreve senão sobre assuntos polémicos. Talvez por isso, aos 72 anos, apesar de ter sido "abandonado pela Igreja", seja muito mais livre do que a instituição da qual faz parte.
É um padre como os outros?
Não. Desde que decidi ser padre, aos nove ou 10 anos, sempre pensei que queria ser um padre diferente daqueles que conheço. E diferente daqueles que fui conhecendo em 12 anos de seminário.
Provocador ou subversivo?
Provocador no bom sentido da palavra. Em latim, provocador quer dizer: "chamar a favor de". Sou provocador no sentido de querer cconvocar as populações para as grandes causas da Humanidade, causas políticas de transformação do mundo. E sou subversivo no sentido de tirar o tapete, desmascarar esta ordem mundial que se faz passar por justa quando é uma desordem, porque no fundo não passa de um sistema que tem por base um único ídolo que é o dinheiro - e não os seres humanos.
Preocupa-o o que os outros padres pensam sobre si?
Só por eles; não por mim. Porque apesar do meu testemunho de vida, eles ainda não foram capazes de se colocar o problema: "E se o padre Mário, apesar de muito só, abandonado por nós, estiver certo? E se for ele a estar na linha do que diz o Evangelho?" Se se colocassem essa questão, acabariam por também ensaiar estes caminhos da saudável e fecunda dissidência dentro da Igreja, em vez de continuarem a ser funcionários eclesiásticos caídos na rotina. O sistema que exclui alguém tem muito de assassino.
Esse sistema exclui os homossexuais. Revê-se na posição de Cardeal Saraiva Martins quando diz que eles são "anormais"?
Claro que não. Enquanto houver um homossexual excluído, não seremos verdadeira Humanidade.
Mas a afirmação dele é só uma variação da Igreja que vê a homossexualidade como perversão...
Perversa é a Igreja que diz isso! É a voz da mentira, da intolerância, da discriminação. Se a Igreja é incapaz de integrar toda a gente, então ela é uma Igreja indigna.
O padre Vaz Pinto afirmou, na RTP, também esta semana, que homossexualidade e incesto são basicamente a mesma coisa...
Um desastre, eu vi. Toda a intervenção dele foi um autêntico desastre. Homossexualidade e incesto são conceitos tão incomparáveis, que só podiam mesmo surgir na cabeça de um eclesiástico celibatário. Fiquei surpreendido, porque conheço o padre Vaz Pinto, sou amigo dele. Ele é um homem aberto, achei que ia surpreender a plateia, mas afinal foi lá para excluir a Igreja da Humanidade. Se a Igreja defende que a Humanidade não pode integrar as pessoas todas, então a Ingreja enquanto instituição não tem qualquer sentido.
Mas como vê, afinal, estas posições da Igreja, que têm eco numa parte substancial da população?
É uma forma de pobreza. A Igreja devia ser pioneira, estar na vanguarda, dizer: "Somos todos seres humanos". Em vez disso, intervém para excluir. É lamentável.
Pode dizer-me como vive um padre homossexual no seio da Igreja?
Tem que lhes perguntar a eles. Eu sou heterossexual. Mas eles existem. Aliás, a Igreja institucional – ela, que é tão contra! – é muito propícia ao desenvolvimento de tendências homossexuais.
Por que só podem conviver com pessoas do mesmo sexo?
Nas estruturas de formação, sobretudo antigamente, não aparecia uma única mulher, sequer na cozinha. Os meninos eram educados só por homens – muitas vezes, por celibatários à força. Se a lei do celibato acabasse, eles casavam.
É o seu caso? Casaria se pudesse?
Não. O celibato só devia existir por opção; não como sinónimo de solteirismo, preguiça ou até egoísmo. O meu celibato representa a opção que fiz de entregar a minha vida ao Evangelho, a enfrentar poderes instituídos, desmascará-los, correndo o risco de ser excluído, ostracizado, até assassinado. Hoje, consegue-se assassinar alguém de forma lenta, o que é mais cruel. Morte que dura a vida inteira.
De certa forma, foi o que a Igreja já lhe fez: perseguiu-o, exonerou-o, considerou-o um "padre irrecuperável". Dá sempre a outra face?
Essa situação tem-me ajudado a perceber que a minha missão é anunciar o evangelho para que os povos se libertem. Só quero manter-me fiel a essa vocação, que exerço completamente de graça.
No seu diário escreve muito sobre política. E deixa clara a sua oposição a José Sócrates. Nem a proposta para possibilitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo o faz estar do lado dele?
Não. É de um oportunismo que me dá vómitos.
Quem seria a sua alternativa?
Ninguém. A solução não passa pelo poder político; passa pela política sem poder. O poder mata a política, faz com que as populações fiquem à margem, são apenas chamadas a votar de tantos em tantos anos para escolher os seus opressores, os exploradores, aqueles que vão mandar nelas, sem nunca se preocuparem com os interesses de quem os elegeu.
Se fosse desafiado por um partido político, não aceitaria ser autarca?
Poder nunca! O meu ideal é uma sociedade sem poder, organizada.
( in "Farpas" - JN 2009.02.22)