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O Principezinho



“O Principezinho” - foi escrito e ilustrado por Antoine de Saint-Exupéry, (nascido em 1900 em Lyon), um ano antes de sua morte, em 31 de Julho de 1944 (precisamente há 64 anos) no mar Mediterrâneo. Escritor, ilustrador e piloto de avião durante a II Grande Guerra, o autor faz-se passar pelo narrador da história, que começa com uma aventura vivida no deserto quando o seu avião é forçado a aterrar devido a uma avaria.

Aqui fica uma passagem do livro...

(…)

Foi então que apareceu a raposa:

- Bom dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu o principezinho com delicadeza. Mas ao voltar-se não viu ninguém.
- Estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira.
- Quem és tu?, disse o principezinho. És bem bonita…
- Sou uma raposa, disse a raposa.
-Anda brincar comigo, propôs-lhe o principezinho. Estou tão triste…
- Não posso brincar contigo, disse a raposa. Ainda ninguém me cativou.
- Ah! Perdão, disse o principezinho.
Mas depois de ter reflectido, acrescentou:
- Que significa “cativar”?
- Tu não deves ser de aqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que significa “cativar”?
- Os homens, disse a raposa, têm espingardas e caçam. É uma maçada! Também criam galinhas. É o único interesse que lhes acho. Andas à procura de galinhas?
- Não, disse o principezinho. Ando à procuro amigos. Que significa “cativar”?
- É uma coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa, Significa “criar laços…”
- Criar laços?
- Isso mesmo, disse a raposa. Para mim, não passas por enquanto, de um rapazinho em tudo igual a cem mil rapazinhos. E eu não preciso de ti. E tu não precisas de mim. Para ti, não passo de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas, se me cativares, precisaremos um do outro. Serás para mim único no mundo. Serei única no mundo para ti…
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor… creio que ela me cativou…
- É possível. - disse a raposa. - Vê-se de tudo à superfície da Terra…
- Oh! Não foi na Terra, disse o principezinho.
A raposa mostrou-se muito intrigada.
- Noutro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse tal planeta?
- Não.
- Isso tem muito interesse. E galinhas?
- Não.
- A perfeição não existe, suspirou a raposa.

Mas voltou à mesma ideia.

- Levo uma vida monótona. Eu caço as galinhas e os homens caçam-me a mim. Todas as galinhas são iguais e todos os homens são iguais. Por isso me aborreço um pouco. Mas, se tu me cativares, será como se o Sol iluminasse a minha vida. Distinguirei, de todos os passos, um novo ruído de passos. Os outros passos fazem-me esconder debaixo da terra. Os teus hão-de atrair-me para fora da toca, como música. E depois, olha! Vês, lá adiante, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me dizem nada. E é triste! Mas os teus cabelos são cor de oiro. Por isso, quando me tiveres cativado, vai ser maravilhoso. Como o trigo é doirado, fará lembrar-me de ti. E hei-de amar o barulho do vento através do trigo…

A raposa calou-se e olhou por muito tempo o principezinho.

- Cativa-me, por favor, disse ela.
- Tenho muito gosto, respondeu o principezinho, mas falta-me tempo. Preciso de descobrir amigos e conhecer muitas.
- Só se conhecem as coisas que cativam, disse a raposa. Os homens não têm muito tempo para tomar conhecimento de nada. Compram coisas feitas aos mercadores. Mas como não existem mercadores de amigos, os homens já não têm amigos. Se queres um amigo, cativa-me!
- Como é que hei-de fazer?, disse o principezinho.
- tens de ter muita paciência, respondeu a raposa. Primeiro, sentas-te um pouco afastado de mim, assim, na relva. Eu olho para ti pelo cantinho do olho e tu não dizes nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, de dia para dia, podes sentar-te cada vez mais perto…

No dia seguinte, o principezinho voltou.

- Era melhor teres vindo à mesma hora, disse a raposa. Se vieres, por exemplo, às quatro horas da tarde, às três já eu começo a ser feliz. À medida que o tempo avançar, mais feliz me sentirei. Às quatro horas já começarei a agitar-me e a inquietar-me; descobrirei o preço da felicidade. Mas se vieres a uma hora qualquer, nunca posso saber a horas hei-de vestir o meu coração… São preciso ritos.
- O que é um rito? disse o principezinho.
- É também qualquer coisa de que toda a gente se esqueceu, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias, uma hora diferente das outras horas. Há um rito, por exemplo, entre os meus caçadores. Dançam às quintas-feiras com as raparigas da aldeia. A quinta-feira é, por isso, um dia maravilhoso! Vou passear até à vinha. Se os caçadores dançassem num dia qualquer, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias.

Foi assim que o principezinho cativou a raposa. E quando se aproximou a hora da partida:

- Ah! disse a raposa… Vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, não queria que te acontecesse mal; mas tu quiseste que eu te cativasse…
- É certo, disse a raposa.
- Mas vais chorar!, disse o principezinho.
- É certo, disse a raposa.
- Então não ganhas nada com isso!
-Ganho, sim, disse a raposa, por causa da cor do trigo.

Depois acrescentou:

-Vai ver as outras rosas. Compreenderás que a tua é unica no mundo. Quando voltares para me dizer adeus, faço-te presente de um segredo.

O principezinho foi ver as outras rosas.

-Vós não sois nada parecidas com a minha rosa; ainda não sois nada, disse-lhes ele. Ninguém vos cativou, nem vós cativastes ninguém. Sois como era a minha raposa. Não passava de uma raposa igual a cem mil raposas. Mas fiz dela minha amiga e agora é única no mundo.

E as rosas ficaram bastante aborrecidas:

-Vós sois belas, mas vazias, disse-lhes mais. Ninguém vai morrer por vós. É certo que, quanto à minha rosa, qualquer vulgar transeunte julgará que ela se vos assemelha. Mas, sozinha, ela vale mais do que vós todas juntas, porque foi ela que eu reguei. Porque foi ela que eu pus numa redoma. Porque foi ela que abriguei com um biombo. Porque foi por causa dela que matei as lagartas (excepto duas ou três para as borboletas). Porque foi ela e só ela que ouvi lamentar-se ou gabar-se, ou mesmo, por vezes calar-se. Porque é a minha rosa.

E voltando para junto da raposa:

-Adeus, disse ele.
-Adeus, disse a raposa. Vou dizer-te um segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos.
-O essencial é invisível para os olhos, repetiu o principezinho, a fim de se recordar.
-Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que tornou a tua rosa tão importante.
-Foi o tempo que perdi com a minha rosa… repetiu o principezinho, a fim de se recordar.
-Os homens esqueceram esta verdade. mas tu não deves esquecê-la. Ficas para sempre responsável por aquele que cativaste. És responsável pela tua rosa.
-Sou responsável pela minha rosa, repetiu o principezinho a fim de se recordar.”