"Falta um Disco" – Carlos Drummond de Andrade
por
Renato
em sexta-feira, 20 de março de 2009
"Amor, estou triste.
Porque sou o único brasileiro vivo
Que nunca viu um disco voador.
Na minha rua todos viram.
E falaram com seus tripulantes
na língua misturada
de carioca e de sinais verdes
luminescentes
que qualquer um entende, pois não?
Entraram a bordo (convidados!)
voaram por ai e ali por além
sem necessidade de passaporte
e certidão negativa de imposto de renda.
Voltaram cheios de notícias e de superioridade
Olham-me com desprezo benévolo.
Sou o pária: aquele que vê apenas
caminhão, cartaz de cinema, buraco na rua
e outras evidências pedestres.
Um amigo que eu tenho
todas as semanas vai ver o seu disco na
praia de Itaipu.
Este, não diz nada para mim, de boca,
mas o jeito, os olhos...
contam de prodígios tornados simples
de tão semanais.
Apenas secretos para quem não é capaz de
ouvir e de entender um disco.
Por que a mim, somente a mim, recusa-se o OVNI?
Talvez para que a sigla de todo não se perca.
Pois enfim nada existe de mais identificado do
que um disco voador,
hoje presente em São Paulo, Bahia, Barra da Tijuca
e Barra Mansa.
Os pastores dessa aldeia já me fazem zombaria
pois procuro, em vão procuro, noite e dia
o zumbido, a forma, a cor
de um só disco voador.
Bem sei que em toda parte eles circulam.
Nas praias, no infinito céu hoje finito,
até no sítio de outro amigo em Terezópolis.
Bem sei, e sofro com a falta de confiança
neste poeta que muita coisa viu
extraterrena
em sonhos e acordado.
Sereias, dragões, o Príncipe das Trevas,
a Aurora Boreal encarnada em mulher,
os Sete Arcanjos de Congonhas da Luz
e doces almas do outro mundo em procissão.
Mas o disco, o disco, ele me foge
e ri de minha busca.
Um passou bem perto, contam, quase a me roçar.
"Não viu?!"
Não vi.
Dele desceu, parece, um sujeitinho furta-cor, gentil.
Puxou-me pelo braço:
"Vamos" ou "plics" talvez?
Isso me garantem meus vizinhos.
E eu, chamado não chamado
insensível e cego sem ouvidos
deixei passar a minha vez...
Amor, estou tristinho,
estou tristonho
por ser o só que nunca viu um disco voador,
hoje comum na Rua do Ouvidor".
1 koices:
Este blog ganhou qualidade com os teus post. Continua amigo.
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