Pachos na testa, terço na mão, uma botija, chá de limão. Zaragatoas, vinho com mel , três aspirinas, creme na pele, grito de medo, chamo a mulher, ai Maria que vou morrer. Mede-me a febre, olha-me a goela, cala os miúdos, fecha a janela, não quero canja, nem a salada, ai Maria, Maria, não vales nada. Se tu sonhasses como me sinto, já vejo a morte nunca te minto, já vejo o inferno, chamas, diabos, anjos estranhos, cornos e rabos, vejo demónios nas suas danças tigres sem listras, bodes sem tranças choros de coruja, risos de grilo ai Maria, Maria fica comigo. Não é o pingo de uma torneira, põe-me a Santinha à cabeceira, compõe-me a colcha, fala ao prior, pousa o Jesus no cobertor. Chama o Doutor, passa a chamada, ai Maria, Maria nem dás por nada. Faz-me tisanas e pão de ló, não te levantes que fico só, aqui sózinho a apodrecer, ai Maria, Maria que vou morrer
António Lobo Antunes
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