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NAO PASSAR�S CARTÃO (11º MANDAMENTO)

Há uma coisa que gostaria de esclarecer às meninas dos supermercados, de uma vez por todas, em alto e bom som:
- Eu não tenho a porra do Cartão Dominó!!!!
Chiça. Já não se pode, neste país, com a conversa do Cartão Dominó. Uma pessoa vai ao supermercado e no momento em que se prepara para pagar perguntam numa voz aflautada, como uma ameaça velada: "Tem Cartão Dominó?". Chiça três vezes. Porra.
Mas afinal o que vem a ser isto do Cartão Dominó? Será uma espécie de livrete? Uma carta de condução para carrinhos de supermercado? Ou estaremos nós na presença de um identificativo que se mostra à entrada de uma taberna de aldeia? Nada disto faz sentido. É tudo muito estranho.
É uma coisa muito desagradável - de cada vez que vou às compras - ser barrado à má fila pela menina da caixa como se estivesse uma operação Stop, como se viajasse na IP-5 a duzentos à hora (em contra-mão):
- Tem Cartão Dominó?!
- Não, senhor guarda. Não sei o que se passa comigo ultimamente. Acha que se pode fazer um jeitinho?
E o único jeito que a menina da caixa nos faz é uma ligeira torsão da asa esquerda do nariz, em sinal de desaprovação. Será que, não se possuindo o famigerado cartão, não se é gente? Serei eu um Zé Ninguém das compras? Terei eu, à falta de um Cartão Dominó na algibeira, o telemóvel sob escuta? Sopra hoje em dia, nas empresas de retalho do país, uma leve brisa autoritária e fascista, atentatória das liberdades individuais, que vem oprimindo o consumidor nacional. Mas sejamos justos. Distribua-se o mal pelas aldeias. Neste siroco que nos afaga, dever-se-á também incluir o Cartão Minipreço, esse clone trangénico do Cartão Dominó. Como se não bastasse, temos ainda a praga do Cartão Galp, do Cartão Optimus e do Cartão Diabo Que o Carregue, dia e noite a verter pontos. Vive-se, em Portugal, a eufórica ditadura dos pontos. Portugal pode ser pequeno na Europa mas - chiça! - é grande nos pontos!
Não há nada neste país que não possa ser susceptível de ser convertido em pontos. Um pacote de farinha? 5 pontos. Vinte litros sem chumbo 95? 10 pontos. Duas chamadas no telemóvel? 20 pontos. Um traque à noite, enquanto vê o telejornal? 60 pontos. Um bobó na avenida? Pague um leve dois.
"Volte sempre, obrigado e até qualquer dia!"
Antigamente as crianças coloriam livros. Hoje em dia recortam cupões e enviam-nos para um apartado qualquer codex - invariavelmente em Linda-a-Velha. As pessoas avaliam-se não pelas suas qualidades pessoais, mas pela quantidade de pontos que amealharam. Pela quantidade de cartões conversíveis em pontos que armazenam na carteira. É triste.
Um dia, quando se lhes acabarem os créditos, morrem e vão parar ao purgatório. Mesmo aí já não se pesam as boas e as más acções da vida terrena. A primeira coisa que no purgatório lhes perguntam é se possuem um vale de 200 pontos (com 300 pontos transita-se automaticamente para o céu). No inferno, tirando as cartomantes, os dirigentes desportivos, os governantes e os dirigentes desportivos, sobram todos aqueles que, como eu, nunca se sujeitaram à indignidade e à degradação de transportar na carteira, ao lado do preservativo, a porra do Cartão Dominó.

PS - Se por acaso o estimado leitor se cruzar na rua com o inventor do Cartão Dominó, que fique desde já assente: na cabeça são 1000 pontos!