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Quase gosto da vida que tenho.


Quase gosto da vida que tenho.

Não foi fácil habituar-me a mim.
Tive de me desfazer das coisas mais preciosas, entre elas de ti. Sim, meu amor, tive de escolher um caminho mais fácil. O dinheiro também tem a sua poesia. E tenho tido sorte.

Deixei para trás a obrigação de mudar o mundo.
Já cometi corrupções. Só ainda sinto dificuldades em mentir, mas também aqui vejo melhoras. Trata-se só de deformar ligeiramente o que vai acontecendo, não de inventar tudo de novo.

Tenho mais alguns anos diante de mim e depois quero acabar de repente.
Não sei se valeu a pena mas também não me pergunto se valeu a pena. Há muitas coisas assim. Não é desistir, é só dar demasiada importância a coisas que não a têm.
A vida é uma delas. Ganha um valor particular quando deixamos de a encarar como o centro de tudo.
É só por acaso que gostamos das flores e do mar. E, claro, que é um bom acaso. Mas mais do que isso não. Quase gosto da vida que tenho. Quando a quis toda não gostava de mim. Agora há dias em que aceito que o tempo passe por mim e me leve para onde só ele sabe.

Vivo sozinho. Passam pessoas, mas nunca ficam por muito tempo. A partir de certa altura intrometem-se tédios por entre as frases e não sabemos continuar. Não insisto. Há muitas pessoas. Não vale ter medo. Há muito que o amor mostrou ser um fracasso. No dia seguinte, no escritório, esperam-me problemas por resolver e decisões que valem dinheiro. Não posso sofrer. Claro que por vezes me sinto triste como toda a gente. Mas é uma tristeza doce, como um descanso. E como não espero nada, não faço nada. De uma maneira ou de outra também acabarei por adormecer esta noite.


Pedro Paixão