Algo que me comove, de cada vez que vejo na TV uma figura pública arguida de qualquer crime a explicar-se, é o facto de a sua consciência sempre estar tranquila. De Vale e Azevedo a José Veiga, dos arguidos da Casa Pia aos do Apito Dourado, dos da Moderna aos de Entre-os-Rios, dos do sangue contaminado aos da UGT, de Fátima Felgueiras a Isaltino Morais, de Ferreira Torres a António Preto, tudo está de consciência tranquila. Suponho, aliás, que as cadeias hão-de também estar cheias de gente de consciência tranquila, pois não consta que sejam lugares onde se passe o tempo a fazer penitência e a arrancar cabelos. E ocorre-me uma questão : ou a consciência desses portugueses é especialmente condescendente (e é improvável que o seja, pois todos são pessoas de elevados padrões cívicos e morais) ou a Justiça ainda está pior do que se pensa e anda por aí a perseguir inocentes em vez de se preocupar com os verdadeiros criminosos, os de consciência pesada e atormentada. E pergunto-me: se a consciência desses cidadãos os absolve, que legitimidade têm os tribunais para eventualmente os condenarem? Talvez seja justamente para suprir as atávicas insuficiências da nossa Justiça que os portugueses já vêm equipados de fábrica com uma consciência.
texto : Manuel A. Pina in JN de 2006.11.21 ( os sublinhados não são do autor )
foto : Os lavatórios da consciência", in viadupla.weblog.com
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