JORNAL" A MERDA"

Não vou embaraçar quem quer que seja. Vou antes fazer história. O jornal " A Merda" existiu mesmo, com título registado e tudo e vendia-se na rua, nos tempos descoordenados pós 25 de Abril, quando a erva de África chegava cá a rodos, sob o nome de ceruma ou "ganza" ou "boi cola"e se vendia numa prata com as sementes e tudo ( para parecer verdadeira pois não faltava quem vendesse barbas de milho secas) sob o nome de "taco".

Não falo de cátedra. Apenas de experiência vicária, pois não fumo. E nem sei porquê sendo eu de uma família de fumadores ( de tabaco não de erva!!!) . Mas vivi bem aqueles tempos - com o decorrer dos tempos vou contar-vos, estejam tranquilos. Mas eu via e estava atento, sendo puto recem entrado no liceu, com aulas asistidas pelo Copcon do Otelo, eu, via o Cristo (um hippye nascido da revolução) à porta do Nosso Lar, o café perto do D. Manuel II, também Amilcar Cabral para uma facção e , finalmente, Rodrigues de Freitas para outra. O que até é giro, eu que vivi aquilo tudo, pedradas, cadeiradas, murros e cuspidelas (até tiros da PSP e se quiserem eu digo-vos onde está ainda hoje uma marca de uma bala num dos ferros da parte frontal) sei quem foi D. Manuel II, sei quem foi Amilcar Cabral, e sinceramente, mea culpa, mea culpa, nao conheço patavina da obra de Rodrigues de Freitas.

Voltemos ao "Cristo". O gajo era omnipotente como o outro que veneramos. Hippye a cem por cento. Cabelo escuro comprido, barba comprida como Jesus, e, quando lhe dava na gana, ou na moca, lá vinha vestido com uma espécie de batina, a lembrar o tempo judaico e, bem em frente do Nosso Lar, o café, lá vendia o seu produto, esfumaçando uns "picas" de permeio.
O "Cristo" era anarquista. Naquele tempos não faltavam anarquistas! Como não faltavam comunistas, Udp's, OCLMPP's, FECML e até pides em vias de extinção e outras coisas. Até aparecer o filme do Travolta, a febre de sábado à noite, que tudo começou a alterar. E a aparecerem as discotecas, o Grifons, o Glassy, o Swing (6 de Junho de 1981, e esta heim?, posso ser um teso mas sou mais rico que muito milionário não acham?), depois do Batô ( vão lá que está na mesma e vale a pena) do Dom Pedro, do Twins, do Iodo aí em Francelos e , mais tarde, de uma discoteca em Espinho cujo nome me falta agora, bem perto do Praia Golfe- Spinus???)...
Bem já me esquecia do Cristo, o nosso homem anarquista, que entre charros fumados e tacos vendidos apregoava a excelência do tal jornal " A Merda" que eu cheguei a comprar. O "A" de A Merda surgia envolvido por uma circunferência, símbolo do anarquismo. Ainda durou uns tempos. Como era lindo de ouvir o pregão do ardina! Ora tomem atenção: "Olha A Merda, compre A Merda, mas que grande Merda!". Uma delícia!!!

E lembrei-me disto porque hoje, numa aula de Direito, com o nome bolonhês de Ética, mas que mais não é que Filosofia de Direito, se falava dos direitos das pessoas, do aborto, da eutanásia( já chega, não querem que vos dê a aula) falando-se de permeio da diferença entre seres humanos e animais quanto aos direitos. E eu lembrei-me do Cristo e da Merda. É que ainda hoje guardo um recorte desses tempos, escrito em pleno jornal merdelheiro, que acabava assim:
"Abaixo os ovos estrelados , cozidos e escalfados: os pintainhos têm direito à vida!"