Meus Caros
Desde tempos que já lá vão e não voltam( e não adianta cantar para ele voltar para trás) que sempre me fez confusão que as pessoas mais velhas ( em miúdos nas brincadeiras da rua dizíamos os mais grandes) sempre se referissem ao passado como "no meu tempo é que era!".
Estes tipos são uns chatos do caraças e uns grandes intrujões, pensava eu irritado. Eu que brincava, de calções e suspensórios, com o pião, o arco e a gancheta, a bola já de plástico que ao pontapé mais forte ziguezagueava como um balão a quem se liberta o ar e jogava ao "vira"(um dia explico) ou trocava cromos dos rebuçados de açúcar e das "chiclas"(gostaram da expressão?) Bubble Gum May e Pirata. E por isso não aceitava que eles, os mais grandes, que nem bola de plástico tiveram, mas antes de trapos, que não puderam ler os livros do Falcão, do Fantasma, dissessem que tudo no tempo deles era melhor. O Travassos melhor que o Eusébio, Simões, Coluna, o Peyroteo melhor que o Gomes, o Hernâni melhor que o meu ídolo João Alves e Fraguito, e por aí fora...Agora, ( e não pensem que sou cota, aliás, jamais serei cota...só se o cabedal se for, como vai ter que ir atrás de alguns cabelos que fugiram e não deixaram descendentes) agora, sim, entendo os tais mais grandes que eu ouvia naqueles tempos de criança. Porra! Naqueles tempos é que era!!
Não é que dou comigo bastas vezes a pensar nos tempos da meninice? Não é que acho que o Fraguito, Alves, Gomes, Pacheco, Oliveira, Futre, Frasco, Artur "o russo", até o Gervásio, Humberto Coelho, Damas, Bento, Jordão, Nené, Vitor Batista(ah grande Vitor! Quem viu, viu...) eram melhores que estes Nanis, Figos, Pauletas, Meiras, Baías, Quaresmas e Ronaldos? Estarei a ficar velho? Esta criançada deve pensar de mim o que eu pensava dos outros certamente. Esta é a roda da vida...
Por exemplo, agora tenho ao meu lado, vejam lá e não se espantem, um bacalhau, uma cobaia e um cabrito! Não estou a inventar, é verdade! E digo-vos mais, tenho ao meu lado tanta bicharada que não cabia no curral da mula! Um verdadeiro zoo...da Colecção de Rebuçados Victória!Alguém se lembra? Um destes dias, quando aprender a scannear com êxito ( pois já sei scannear sem êxito) vou passar-vos esta colecção lendária para também terem alguns animais do zoo convosco, sobretudo os mais ruins (queria dizer difíceis) o bacalhau (nº 42), a cobaia(147) e o cabrito (199).
É engraçado olhar para esta caderneta, que me custou uns bem dados 70 euros na feira de velharias de Aveiro (coitado de mim nostálgico, para onde eu vou atrás por exemplo da segunda edição do Jornal de Notícias do dia 25 de Abril de 1974 pela qual dei 5 euros!!!)
As "Victórias", assim lhe chamávamos, foram anteriores à Revolução e com esta desapareceram (tal como os prémios dos gelados Olá, do Saltitão e Realejo). Para darem lugar as Little Pet Shops ou ao Noddy os às colecções bem trabalhadas de animais selvagens bem diferentes dos que vinham num saquinho dentro dos pacotes do "Omo" ou Tide", já não me lembro, detergentes que serviam para demolhar a roupa no tanque de lavar. Só me lembro que a minha mãe ainda nem pousara as compras feitas na mercearia do sr.Augusto Todo-Bom ( calma aí com a minha maezinha, o Todo-Bom era nome dele, um careca forreta como todos os marçanos, que vendia para o livro e atrás da mercearia, qual capela de peregrinação diária, servia "negos" ou "copo de três" de vinho martelado, aos homens vindos do jorna que após beberem de golada diziam: Ó Augusto este é Todo-Bom! E já que estamos no Augusto, pai do Quim Martelo, saibam que naquele tempo já ele protegia o ambiente. Nada de sacas de plástico na loja, tudo em papel de cartucho - arroz, açucar, feijão, grão de bico...- que depois em casa se reciclava para mata-borrão, ou seja, chupar os borrões de tinta dos cadernos, ou então para aplicar embebido em vinagre nos galos que andavam sempre a crescer na testa após um trambolhão ou pancada na escola), mal chegava então a minha mãe e já eu lhe rasgava a caixa do Omo ou do Tide e espalhava o detergente para sacar o animal imperfeito, um macaco ou uma zebra ou girafa, levando logo na passada umas lambadas quando não tinha tempo para me pôr ao pira!
Descobri também agora na caderneta das Victórias que naquele tempo, naqueles tempos, já havia preocupações com o que se comia, alguém rivalizava com o meu amigo Póvoas ou com o Tallon, ou estávamos anos-luz à frente das directivas europeias. Reparem nesta delícia escrita no verso da contra-capa da caderneta:
"Há a esclarecer que o público colecciona sem qualquer prejuízo pelo motivo do rebuçado poder ser aplicado para adoçar Café, Chã, Leite, ou qualquer outro alimento, pelo facto de não conter essências"
E esta, heim?, como diria o saudoso Pessa. Mas tem mais: "Victória vence porque dá o que promete" ou então algo como isto:" Se não completou a sua caderneta este ano não desanime, completa-la-á na colecção seguinte. Nunca perde o seu valor. Os brindes desta colecção são bons,os do ano futuro serão óptimos. A maior vitória de uma colecção é a honestidade com que é executada"
E os prémios da caderneta cheia? Quantas mais, melhor. Assim:
-1 caderneta (latinha com rebuçados de fruta e um emblema desportivo, ou uma bola de borracha numero 1 e um emblema desportivo
-2 cadernetas (uma bola de borracha nº2 ou uma linda caixa para costura em plástico)
-5 cadernetas ( uma bola de couro para futebol ou uma boneca com cabeleira, vestida, de abrir e fechar os olhos)
Portanto era p'ró menino e p'rá menina.Embora esteja já derreado pelo sono não resisto a transcrever os prémios que eram entregues no grande sorteio final. Aguentem a esta chatice só mais um pouquinho. (O Tito é que me meteu nesta alhada de escrever para aqui e como andava enferrujado agora quase não páro).
Pois então aí vai:
1º- Máquina de costura OLIVA! considerada a melhor máquina do mundo, que lhe dá o pão nosso de cada dia!
2º- uma bicicleta VILAR que o leva à Igreja, ao Trabalho, ao Lar!
3º- Uma peça de pano para lençóis! que lhe dá a frescura no descanso!
4º- Rádio transistor de bolso que lhe dá o prazer e a alegria de viver no trabalho, desde o amanhecer ao anoitecer!
5º- Maquina fotográfica KODAK que lhe dá a oportunidade de trazer os seus queridos no bolso!
Pronto. Desculpem uma vez mais esta longa maçada. Para não darem o tempo como perdido tenham o pensamento positivo e pensem que se tratou de uma sociológica viagem ao País da minha meninice. Que grandes tempos aqueles!!!
Vou então dormir com o bacalhau , a cobaia e o cabrito, os ruins, aqui ao meu lado e os outros também. Ao todo 200 animais em figurinhas que enrolavam os rebuçados de açucar amarelo, deliciosamente doces, que se colavam aos dentes. Um dia mostro-vos esta didáctica colecção.
Feita num tempo diferente, melhor que hoje de certeza. É que hoje não sei quem ficaria com a boneca que abria e fechava os olhos!(sou malandro, não sou? Olha se me apanhavam na semana passada naquela discussão no Parlamento!...)
8 koices:
Uma delicia de texto, para mais tarde recordar. Fantástico. João estás de Parabéns e no Curral vais ganhar fãs rápidamente...palavra de Presidente!
Adorei os prémios:)
Muito obrigado amigo Presidente, pelas tuas palavras exageradas, mas mesmo assim sempre boas para este ego que anda bem rastejante, quase reptilizado!
Reparaste num dado fantástico, quando falo do Grande Prémio das Victórias, e que deixei escapar devido ao sono, que lá está escarrapachado subrepticiamente a trilogia do Salazar,ou seja, Deus, Pátria e Família? Esta brincadeira dava para um capítulo de uma monografia qualquer...
Ah, só para ti Macedo, pois não escrevi por pudor e porque tenho respeito por todos, mas sabes o que eu ouvia muito dos tais mais grandes? "Ó pá, ontem dei três sem tirar fora..."
E eu ficava ali a imaginar, a imaginar, mas caro amigo foi preciso eu crescer para ver que era uma grande mentira!
O Quim Barreiros é que tem razão. há dias que dá uma, há duas que dá duas, há dias que dá três...da madrugada...
Brutal!!
Não sou do tempo dos bichinhos, mas sempre ouvi falar deles..
Está IMPECÁVEL!
Seria interessante publicar a caderneta completa dos rebuçados vitória!
Muito obrigada pelas descrições.
De vez em quando procuro memórias dos rebuçados Vitória. A fábrica pertenceu à minha família, mas só relativamente há poucos anos é que o soube. É bom poder descobrir mais detalhes sobre um produto que marcou uma geração.
Uma delicia de texto, para mais tarde recordar. Fantástico. João estás de Parabéns e no Curral vais ganhar fãs rápidamente...palavra de Presidente!
Adorei os prémios:)
Muito obrigado amigo Presidente, pelas tuas palavras exageradas, mas mesmo assim sempre boas para este ego que anda bem rastejante, quase reptilizado!
Reparaste num dado fantástico, quando falo do Grande Prémio das Victórias, e que deixei escapar devido ao sono, que lá está escarrapachado subrepticiamente a trilogia do Salazar,ou seja, Deus, Pátria e Família? Esta brincadeira dava para um capítulo de uma monografia qualquer...
Ah, só para ti Macedo, pois não escrevi por pudor e porque tenho respeito por todos, mas sabes o que eu ouvia muito dos tais mais grandes? "Ó pá, ontem dei três sem tirar fora..."
E eu ficava ali a imaginar, a imaginar, mas caro amigo foi preciso eu crescer para ver que era uma grande mentira!
O Quim Barreiros é que tem razão. há dias que dá uma, há duas que dá duas, há dias que dá três...da madrugada...
Brutal!!
Não sou do tempo dos bichinhos, mas sempre ouvi falar deles..
Está IMPECÁVEL!
Seria interessante publicar a caderneta completa dos rebuçados vitória!
Muito obrigada pelas descrições.
De vez em quando procuro memórias dos rebuçados Vitória. A fábrica pertenceu à minha família, mas só relativamente há poucos anos é que o soube. É bom poder descobrir mais detalhes sobre um produto que marcou uma geração.
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