RSS

Cartas Abertas

  • Exemplos a seguir na reciprocidade

Lisboa, 12 de Março de 2007

Exmo. Senhor Presidente de Angola

Meu caro Zé Eduardo,


Soube que o teu Governo - e bem - eivado do mais alto sentido da reciprocidade, decidiu não aceitar como válidas as cartas de condução portuguesas. Motivo ? Os portugueses multaram o Mantorras - exemplo e estandarte maior do poder de Luanda (é muito bom mas não funciona) - que conduzia com uma carta angolana caducada. O facto de estar caducada foi devidamente obnubliado e, doravante, nem um tuga pode conduzir nas magníficas auto-estradas, seja das Lundas, seja do Planalto Central, se não tiver uma carta angolana ou coisa assim.

Acho bem ! Não queremos cartas angolanas, vocês não querem cartas portuguesas !

Mas outros aspectos da vida existem que tu, caro Zé Eduardo, podias também reciprocar - peço desculpa, mas é assim que se diz. Por exemplo : a limitação de mandatos do Presidente da República. Sabias que nós não admitimos que ninguém - nem mesmo o Mantorras - seja Presidente por mais de dez anos ? E que, ainda por cima, qualquer um que chegue a Presidente tem de ser eleito e que, para ser eleito, tem de ter mais votos ?

Aposto que, agora que sabes, não vais deixar de decretar o mesmo. Já te estou a ver : Ai eles têm eleições ? Pimba ! Nós também vamos ter ! Ai eles têm limitações de mandatos ? Pumba ! Nós também ! Ai eles têm votos e tudo, e pode votar quem quiser ? Toma ! Aqui vai ser na mesma !

E mais, se começas nesta senda de imitar tudo, lembra-te, por exemplo, dos autarcas. É que também são eleitos. E o Governo, que é designado por um Parlamento eleito de quatro em quatro anos e não de 300 em 300 anos, como aí. Quer dizer, o Governo, porque o Presidente é de 500 em 500, salvo erro.

E há mais para copiares. Por exemplo, aqui os tribunais podem acusar e julgar amigos do primeiro-ministro ou do Presidente da República. Ou mesmo o primeiro-ministro e o Presidente. São órgãos de soberania independentes, não carecem de ser formados pelos amigos do Presidente.

E outras coisas. Por exemplo, em Portugal, os grandes empresários não são familiares do Presidente da República. Por exemplo, o prof. Cavaco Silva tem uma filha mas ela não é uma grande empresária,nem das pessoas mais ricas do país. É uma pessoa discreta e igual às outras, com os mesmos direitos e deveres. Eis outra coisa boa para aplicares a tua reciprocidade.

E mais ideias me ocorrem sobre matéria tão vasta como interessante. Como por exemplo aquela ideia de prender uma britânica em Cabinda, por espionagem.. Não estás a ver-nos prender uma britânica nos Açores por espionagem, pois não ? Claro que não ! E pronto, já vês. Há um longo caminho recíproco a fazer. Não é só nas cartas de condução.

Viva Angola ! Viva o Mantorras e a reciprocidade ! E manda-te um abraço o teu recíproco

Comendador Marques de Correia
( in "Única", revista do "Expresso", 2007.03.17; foto de João Carlos Santos )